Mauro Cezar – O Torcedor com Microfone

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O jornalista Mauro Cezar Pereira participando do Linha de Passe, da ESPN. (Imagem: Reprodução)

Por Lucas A. Guedes

Poucos comentaristas esportivos despertam tanto ódio e paixão como o jornalista Mauro Cezar Pereira. Trabalhando há mais de uma década na ESPN Brasil e assinando textos no UOL, Gazeta do Povo e Estado de S. Paulo, o jornalista se tornou célebre pelas opiniões contundentes, com boa argumentação e, na TV, com uma capacidade louvável de se comunicar e expressar de maneira clara sua opinião.

Mauro Cezar é um jornalista autêntico e, por isso mesmo, não faz e nunca fez questão de esconder para quais times torce. No Brasil, o Flamengo. Na Argentina, o Racing. E também já deixou claro de que na Europa sua torcida é para os times ingleses.

Definitivamente não há nada de errado em um jornalista esportivo não esconder seus times do coração. Há décadas atrás monstros do jornalismo se consagraram e conquistaram o respeito dos torcedores mesmo admitindo suas torcidas. Os casos mais emblemáticos talvez sejam os de João Saldanha (Botafogo) e Nelson Rodrigues (Fluminense).

Porém, algo importante para um jornalista de qualquer área é a capacidade de não deixar suas paixões pessoais interferirem em suas análises. Um jornalista da editoria de política, por exemplo, pode ter suas próprias ideologias, mas jamais deve deixá-las afetarem suas análises da conjuntura política, pois se não corre-se o risco de perda de credibilidade e acabar se comunicando apenas com quem pensa como ele. Mauro Cezar não tem conseguido essa frieza.

É bastante nítido para quem acompanha o trabalho de Mauro Cezar na ESPN que sua cobrança em cima do trabalho de Abel Braga é bastante superior a sua cobrança sobre outros técnicos. Esta cobrança excessiva é pelo motivo de Abel ser o atual treinador do Flamengo, pois ano passado e retrasado, quando o treinador trabalhava no Fluminense, Mauro pouco questionava o trabalho do técnico. Ou seja, a exigência sobre o treinador veio a partir do momento de sua contratação pelo Flamengo.

Não que o trabalho de Abel Braga não deva ser questionado, mas os erros cometidos pelo treinador atualmente não diferem muito dos erros cometidos pelo mesmo nas últimas temporadas, mas curiosamente o trabalho passou praticamente imune a críticas. Afinal, a torcida do Fluminense não merece que o trabalho no time seja tão questionado quanto o trabalho no Flamengo?

Nos jogos da semifinal da Liga dos Campeões, quando o Barcelona foi superado pelo Liverpool em vitória histórica em Anfield, o comentário pós-jogo de Mauro Cezar veio carregado de um estresse desproporcional a um jornalista sério. Mauro estava estressado porque ouvira antes do jogo em uma rádio que o Barcelona era maior que o Liverpool. Por que tamanha indignação? Mauro não escondeu em seu comentário: “sempre torço para os times ingleses”.

Aqui não se está propondo o cerceamento do trabalho do comentarista. A liberdade de expressão é preceito fundamental para qualquer veículo de comunicação que se diz sério. Mas o que quero mostrar é que a paixão descontrolada afeta diretamente os comentários e análises de alguém que não está na TV como representante dos times para o qual torce, e sim como jornalista esportivo que deve analisar o ocorrido e, claro, expor suas opiniões, mas sem deixar no torcedor a sensação de que o comentarista torceu contra o seu time do coração. Quem afinal gostaria disso, além da torcida do time exaltado?

Nas redes sociais, tanto no YouTube quanto no Instagram e twitter, Mauro Cezar é praticamente um setorista do Flamengo. Ele já recebeu essa crítica e respondeu da seguinte forma: “as redes sociais são minhas e posto o que quiser”. De fato as redes sociais são dele, mas de onde que veio essa grande massa de seguidores? O conheceram na padaria da esquina? Arquibancada do Maracanã? Não, a grande massa de seguidores de suas redes sociais o conheceram pelo exercício de sua profissão (jornalista, nunca é demais lembrar) nos veículos de comunicação para o qual trabalha. Ou seja, suas redes sociais, gostando ou não, são extensões de seu trabalho nestes veículos. Então tratar essas mídias como uma rede social pessoal não é muito correto, até porque o próprio Mauro as utiliza inclusive para divulgação dos programas nos quais vai aparecer.

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Instagram do Mauro Cezar: Das últimas 6 postagens, 5 são sobre o Flamengo.

Como disse no começo deste texto, Mauro Cezar é um jornalista com grande capacidade de articulação, argumentação e que se popularizou justamente por não falar o óbvio. O que proponho é apenas uma reflexão de quando as paixões pessoais interferem de maneira acidental (creio) em análises que não são só para flamenguistas, torcedores do Liverpool ou torcedores do Racing. Ele se comunica com torcedores de todos os times e, por isso mesmo, estes torcedores merecem o respeito do jornalista. Se ele não quer se comunicar para outros torcedores, que peça demissão do Estadão, Gazeta do Povo, UOL, ESPN, e vá entregar o currículo nos canais do YouTube que gravitam em torno do Flamengo. E não há demérito nenhum nestes canais, pois eles pelo menos não tentam fingir imparcialidade.

No Brasil, o racismo compensa

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William Waack fez piada racista, mas se considera “vítima” (Reprodução: Rede Globo)

Por Lucas A. Guedes

    Esta semana o jornalista William Waack concedeu entrevista para o também jornalista Marcelo Bonfá em que afirmou (não pela primeira vez) que o comentário que motivou seu desligamento da Rede Globo foi apenas uma “piada de boteco”, e revelou mágoa em relação à emissora ao dizer que a TV é um “ninho de cobras”. Pela entrevista fica evidente então que o ex-âncora do Jornal da Globo não só ainda não fez uma autocrítica em relação ao crime cometido como também se coloca como “vítima” da situação.

Segundo a Constituição de 1988, que esta semana completou 30 anos, a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Mas de fato este artigo da constituição não é e nunca foi cumprido no país, a não ser em casos considerados de extrema “gravidade”. Em relação a artistas e jornalistas então, a situação é contornada. Waack, que poderia dizer que pelo menos perdeu o emprego pelo racismo flagrante de sua “piada”, logo após o desligamento da Rede Globo começou a assinar coluna no jornal Estado de S. Paulo e recriou o seu “Painel Globonews” na internet, até com patrocínio de uma instituição financeira. Afinal, William pagou pelo seu racismo?

    Outro caso que salta aos olhos é o do apresentador Marcão do Povo, que em 2017 no programa Balanço Geral DF chamou a cantora Ludmilla de “macaca”. Mais tarde tentou justificar que na verdade ele usou o termo “pobre macaca” apenas para destacar que a cantora é de origem humilde e que então não caracterizaria racismo, mas ao assistir o vídeo fica bem claro o uso da vírgula entre “pobre” e “macaca”, mudando assim o sentido e deixando explícito o crime. Após 10 dias a Rede Record anunciou a demissão do apresentador. Para então, na semana seguinte, ele ser contratado pelo SBT e ser “promovido” para um programa em rede nacional na emissora que apresenta até hoje. Detalhe: na mesma semana de sua contratação, o SBT demitiu a única âncora negra de seu departamento de jornalismo, a excelente Joyce Ribeiro (hoje no Jornal da Cultura). Afinal, Marcão pagou pelo seu crime de racismo? Ao que parece, até progrediu na carreira. Saiu de uma afiliada regional da Record para um programa em rede nacional do SBT.

    Não é recente o descaso dos veículos de comunicação com o racismo e outros crimes de preconceito. É famosa a cena de Boris Casoy caçoando de dois garis que desejavam felicidade e prosperidade a todos em época de reveillon. Boris se desculpou e nunca de fato sofreu consequências de sua atitude lastimável. 

    Nestas situações pode-se constatar que essa conivência tem uma base: os diretores destas emissoras e veículos são homens brancos de uma elite desconectada do povo brasileiro. Mais ainda: revela a falta de empatia com grupos dos quais não fazem parte. A contratação de um jornalista que foi flagrado em fala racista e que até hoje não reconhece seu erro é estapafurdia e escracha a quem esses veiculos realmente serve. E obviamente não é aos “pretos”, parafraseando o “grande” William Waack.

A imprensa alternativa e a panfletagem petista

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Gleisi Hoffmann e Juca kfouri no programa Entre Vistas: jornalismo chapa-branca (Reprodução: YouTube)

Por Lucas A. Guedes

Há certo tempo acompanho a chamada mídia alternativa mais de perto, já que a grande imprensa deixou de disfarçar e passou a expor sua militância anti-PT sem o menor pudor. Porém, acompanhando o trabalho do que muitos chamam de “jornalismo independente”, fica bastante claro que essa imprensa tem lado, e não é simplesmente o da esquerda, e sim do Partido dos Trabalhadores. As evidências saltaram aos olhos nestas eleições graças as reações pós-derrota do candidato Fernando Haddad.

Os sinais mais claros desta nítida panfletagem se deram em torno das reações desta imprensa frente ao posicionamento no segundo turno do candidato do PDT Ciro Gomes. Sem o menor constrangimento, assim como a PIG*, esta mídia passou a atacar sem cerimônias o ex-governador do Ceará, quase que o responsabilizando pela derrota do PT no segundo turno, quando todos com um mínimo de razoabilidade sabiam que o segundo turno estava resolvido graças ao que Ciro tanto alertou: o antipetismo.

Fato é que Ciro Gomes decidiu não apoiar publicamente o candidato do PT também como uma reação ao trabalho feito pelo PT para isolá-lo no primeiro turno, sendo Lula o articulador principal para que o PR e o PSB não apoiassem o presidenciável do PDT. À esta altura, as pesquisas já revelavam o poder da rejeição ao ex-presidente, mas o partido fechou os olhos ao problema. De maneira ingênua, acreditaram que entre Lula e Haddad haveria somente a transferência de votos, ignorando que a rejeição também seria repassada, e segundo turno ganha quem tem menos rejeição.

Analisando este fato e ainda mais a campanha do PT no primeiro turno (Lula é Haddad. Haddad é Lula.), fica claro que a responsabilidade pela vitória da extrema-direita no Brasil se deve a relutância do PT em não lançar uma candidatura própria. Mas a leitura das mídias alternativas isenta o ex-presidente e a presidente do PT Gleisi Hoffmann, que durante a eleição e no auge da rejeição ao PT concedia entrevistas em que dizia que Haddad deveria indultar Lula. Porém, para a mídia alternativa uma simples falta de posicionamento explícito de Ciro no segundo turno foi mais determinante.

Nesta terça-feira a presidente do Partido dos Trabalhadores foi convidada do programa “Entre Vistas”, da TVT, programa patrocinado pela CUT. Em certo ponto, a entrevista chapa branca chegou ao seu auge: O apresentador Juca Kfouri questionou Gleisi sobre o não posicionamento de Ciro Gomes, embutindo na pergunta a tese de que Ciro é um machista. Apesar da relutância da presidente do PT em afirmar tal coisa, Juca insistiu e conseguiu arrancar um “certamente foi isso também”. Esta insistência de Juca coincide com texto publicado pelo mesmo em seu blog em que o autor Mario Rui Feliciani, de maneira irônica chama Ciro Gomes de “homem demais” e traça um paralelo com o relato de Dráuzio Varela sobre a ausência dos homens em situações de doenças terminais ou carceragem de um familiar

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Ataque a Ciro pelo não ao PT (Reprodução: Internet)

Já o jornalista Joaquim de Carvalho, do Diário do Centro do Mundo, foi mais assertivo contra Ciro e chamou de “vexatório” o fato do ex-governador não ter apoiado explicitamente Haddad no segundo turno. Fica claro que para o jornalista não havia opção para Ciro a não ser apoiar o PT. Será?

Na TV 247, também no YouTube, Leonardo Attuch criticou não somente Ciro Gomes como também a fala de Cid Gomes em evento da candidatura Haddad em que o senador eleito pelo Ceará disse que era preciso o PT fazer um “mea culpa”. Para Leonardo, as críticas ao PT foram “absurdas” e afirmou que os irmãos Gomes não estão a altura dos problemas brasileiros.

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Para Leonardo Attuch, o não apoio de Ciro a Haddad é “imperdoável” (Reprodução: YouTube)

Já no programa da TVT “Papo com Trajano” do dia 07 de novembro, o jornalista José Trajano leu uma notícia sobre a reunião entre Ciro Gomes e Marina Silva em Brasília em tom bastante irônico para depois emendar em crítica ao PDT e sua traição à memória de Brizola e Darcy Ribeiro. As críticas a parlamentares e governadores do partido são corretas, mas será que Trajano lembra-se que antes de morrer Leonel Brizola fez duras críticas ao governo Lula?

Todo esse vendaval de críticas ao Ciro Gomes esbarram num fato que eles não destacam: Haddad venceu o segundo turno no Ceará com mais de 70% dos votos e vitória em todas as cidades do Estado. Era preciso mesmo Ciro apoiar explicitamente Haddad? Os números mostram que não.¹

A questão é que Ciro quer distância do PT não só pelo que o partido fez para desmontar sua campanha no primeiro turno, mas também pelo antipetismo que ele sabe que não cessará nas próximas eleições. Então só há uma alternativa para que alguém derrote Bolsonaro em 2022: Distanciar-se do PT, já que certamente o partido terá candidatura própria (como sempre o teve), e oferecer-se como terceira via, como de fato ele o fez neste segundo turno, deixando claro que não tem compromisso com nenhum dos lados que avançaram.

Esta imprensa “alternativa” já tem um compromisso: desconstruir qualquer outra via de esquerda que se apresente como alternativa ao PT. Para estes “jornalistas” e comentaristas a hegemonia da esquerda pelo PT é mais do que correta e quem não estiver ao lado do ex-presidente deve ser jogado para escanteio. O compromisso deles não é com o Brasil e nem com o Trabalhismo ou a esquerda. O compromisso desta mídia é com o PT.

1 https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/29/haddad-ganha-em-todas-as-cidades-vencidas-por-ciro-gomes-no-1o-turno.ghtml
*PIG é um termo criado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim que significa “Partido da Imprensa Golpista”.

O resultado das eleições e a leitura equivocada da imprensa

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Só do ciclo petista, Boechat? (Imagem: Reprodução)

Por Lucas A. Guedes

    Acabou o segundo turno. Como previsto por todos os institutos de pesquisas, o candidato do PSL Jair Messias Bolsonaro foi eleito o 38° presidente da República. Mas nos dias seguintes à eleição do capitão da reserva o foco dos comentaristas políticos da grande imprensa continua a ser no… PT. Com uma narrativa própria, chegaram a citar o partido dos trabalhadores como o maior derrotado destas eleições, ignorando que o partido elegeu a maior bancada na Câmara federal¹ e o maior número de governadores nesta eleição². 

    O PSDB e o MDB, de fato, foram os maiores derrotados desta eleição. O PSDB elegeu uma bancada na Câmara menor que a de partidos como PP, PSD, PR, PSB e PRB, e o MDB ficou atrás de, além do PT, do PSL e do PP¹. Há uma mudança grande nisso já que desde a década de 90 o MDB é base de todos os governos que desde então assumiram a presidência, justamente pelo entendimento de que era preciso buscar apoio do maior partido do Brasil para um mínimo de governabilidade. Pela primeira vez em muito tempo o MDB não será imprescindível para a chamada governabilidade. Mas curiosamente, apesar disso significar uma grande mudança, os “analistas políticos” de nossa imprensa ignoraram o fato. O foco, claro, tem de ser o PT e sua derrota nas eleições presidenciais.

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José Nêumanne Pinto ainda faz campanha para Bolsonaro e a direita. (Imagem: Reprodução)

    Já o PSDB, que até agora não sofreu nenhuma crítica mais severa de nossos “especialistas” reduziu-se a quase metade da bancada do PT e por muito pouco não perdeu a hegemonia do Governo de São Paulo, que se mantém desde 1995. A votação de João Dória, figura menos psdbista do PSDB atual, lembra e muito a votação de Dilma em 2014 e pode indicar o início do fim da hegemonia do partido no Estado de São Paulo. É possível acreditar inclusive que o PSL errou em não lançar candidato próprio para o governo de São Paulo, pois a popularidade de Bolsonaro no Estado é tão grande que elegeu os deputados federais e estaduais mais votados do Estado e também o senador mais votado, o ilustre desconhecido Major Olímpio. Dória se aproveitou do vácuo de uma candidatura mais sólida pró-Bolsonaro e colou-se na imagem do presidenciável para conseguir a eleição. Mas difícil imaginar que daqui a quatro anos o PSDB tenha um nome forte para manter a hegemonia. Dória deve tentar a presidência e Alckmin saiu pequeno demais destas eleições.

    A simples questão que salta aos olhos de todos é que os partidos mais importantes na condução do processo de impeachment saíram menores do que entraram nestas eleições. O próprio relator do processo contra a ex-presidente no Senado, o ex-governador de Minas Antonio Anastasia perdeu de maneira esmagadora no segundo turno para o candidato do Novo Romeu Zema³. Mas a grande imprensa não destacará isso, é claro. O motivo é óbvio.

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O título do vídeo diz tudo. (Imagem: Reprodução)

    É importante então observar a maneira como a imprensa tratará o Governo Bolsonaro. Alguns que o criticavam há oito meses hoje só focam no antipetismo, revelando uma mudança quando do entendimento de que o candidato mais forte para bater o PT era Bolsonaro, e não Alckmin. Foi até explícita a ansiosidade da imprensa para as primeiras pesquisas após o início da propaganda eleitoral, acreditando que aquilo faria diferença para o candidato do PSDB. Como diria Fausto Silva: “Errou!”.

    O fenômeno PSL/Bolsonaro representa um avanço para a extrema-direita pela via democrática. Teremos um ministro da Economia que pensa em vender todas as Estatais¹ que puder e o Ministério do Meio Ambiente transformado em apenas uma Secretaria num Ministério fundido com o Ministério da Agricultura. É totalmente justificável então o pessimismo em relação ao futuro governo.

 

As informações podem ser conferidas abaixo:

1 https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/10/08/pt-perde-deputados-mas-ainda-tem-maior-bancada-da-camara-psl-de-bolsonaro-ganha-52-representantes.ghtml

2 https://exame.abril.com.br/brasil/veja-os-governadores-eleitos-em-1o-turno-e-as-disputas-de-2o-turno/

https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2018/10/eleicoes-2018-os-governadores-eleitos-no-2-turno.html

3 https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/eleicoes/2018/noticia/2018/10/29/zema-vence-em-832-das-853-cidades-de-minas-anastasia-ficou-em-primeiro-em-21-municipios.ghtml

 

1 https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/28/guru-economico-de-bolsonaro-paulo-guedes-quer-privatizar-estatais-e-reformar-previdencia.ghtml

2 https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2018/10/30/bolsonaro-recua-e-decide-manter-fusao-dos-ministerios-da-agricultura-e-do-meio-ambiente.ghtml

PT e a “Síndrome de Luxemburgo”

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Luxemburgo é a síntese do PT e vice-versa (Foto: CAIO GUATELLI/Folhapress)

Ninguém questiona a capacidade de Vanderlei Luxemburgo como treinador de futebol. Foi campeão brasileiro com Palmeiras, Corinthians, Cruzeiro e Santos, além de grande trabalho no modesto Bragantino no início dos anos 90. Em 2005 chegou a treinar Zidane, Ronaldo Fenômeno e David Beckham no poderoso Real Madrid. Porém, de lá para cá, o treinador vêm colecionando fracassos e há quatorze anos não conquista um título de relevância. Chegou a fracassar até mesmo na segunda divisão do campeonato chinês, sendo demitido antes do fim do contrato com o Tianjin Quanjian. Em seu retorno ao Brasil chegou a dar entrevista em que questionava a credibilidade do campeonato de futebol da China e atribuindo a fatores externos o fracasso de sua passagem. Esta declaração explica muito bem o porquê do treinador hoje não ser cogitado para treinar nenhum grande clube no Brasil.

A questão é simples: Como contratar alguém que, mesmo tendo falhado nos últimos anos, é incapaz de reconhecer seus equívocos, culpando a todos menos a si mesmo? A verdade é que não se aprende com os erros se você não os enxerga como erros.

A conexão com o PT então fica bastante clara. Luxemburgo, que por acaso é petista, sintetiza hoje a situação do Partido dos Trabalhadores. Situação escancarada em discurso do Senador Cid Gomes em evento da candidatura Haddad em Fortaleza neste dia 15 de outubro.

No discurso, Cid disse que era preciso o PT fazer um mea-culpa, um exercício de humildade e reconhecer seus erros. A militância presente não reagiu bem e, junto com as vaias, iniciou o coro “olê olê olê olá, Lula Lula”, ao passo que Cid Gomes se descontrolou e rebateu: -“ Lula o que, babaca? Lula está preso!”¹.  Apesar da agressividade no discurso que passa pelo temperamento dos irmãos Gomes (que explicita pelo menos a autenticidade dos dois), a leitura dos fatos está correta. Mas parece que não para o próprio partido dos trabalhadores.

Quando Dilma Rousseff deixou o país em 2016 por conta do golpe parlamentar liderado por Eduardo Cunha e Michel Temer, a situação econômica do país já estava difícil. Em 2015, por exemplo, o país fechou o ano com recessão de 3,8% e inflação e juros em alta, além de desemprego que já ultrapassava os 10%². Tudo isso tendo no Ministério da Fazenda o ex-diretor do Bradesco Joaquim Levy.

Mas o PT diz que o país só piorou a partir do governo Temer, que inclusive foi colocado na linha de sucessão pelo ex-presidente Lula. E quando alguém questiona que os números do segundo governo já eram alarmantes, o PT rebate com a narrativa de que Dilma foi boicotada em todo seu segundo governo, o que não é totalmente mentira, mas não é esta a percepção do brasileiro que tem sido bombardeado com uma mídia claramente anti-PT.

Em relação à Lava Jato e outros casos de corrupção envolvendo o partido, o PT diz sofrer uma perseguição discriminatória por parte da justiça brasileira. E publicamente lideranças como Gleisi Hoffmann (presidente do partido), José Dirceu, Lindbergh Farias e Jandira Feghali (do PC do B, fiel escudeiro do PT) defendem que Haddad, caso eleito, indulte Lula.

Como vimos no artigo anterior, a Lava Jato tem inúmeros problemas e está longe de se apresentar imparcial ou ter credibilidade. Mas em uma eleição, após uma campanha midiática para colar a corrupção a apenas um partido, alguém teria chances de vencer colocando-se como vítima de tudo e sem reconhecer qualquer erro durante os 14 anos em que ficou no poder?

Voltamos então à “síndrome de Luxemburgo”. Nenhum clube o quer não necessariamente por seus fracassos recentes, mas sim porque o mesmo não faz qualquer mea-culpa, não tem humildade e aponta o dedo a todos como se fosse arauto da moralidade. Novamente, se não tem a capacidade de reconhecer seus próprios erros, como ganhar uma nova chance? Será que aprendeu alguma coisa?

Por mais que o PT acredite na narrativa apresentada até aqui (e que boa parte não deixa de ser verdade), não é essa a percepção da população brasileira que tem, como grande fonte de informação, o Jornal Nacional. E sabendo disso, para se ganhar uma eleição, é preciso ter humildade sim. Reconhecer publicamente os erros e diminuir o discurso de vitimização que incomoda tanto parte dos eleitores.

Há dentro do partido lideranças que reconhecem os erros, como o próprio Fernando Haddad e o ex-governador da Bahia Jacques Wagner. Mas são vozes isoladas dentro de um partido que parece, depois de tanto repetir uma narrativa, incapaz de ter uma observação um pouco mais crítica em relação à sua própria atuação no poder.

Talvez o PT não vá perder “feio” como profetizou Cid Gomes na noite desta segunda-feira, mas a derrota parece sim eminente, e não adianta agora tentar modificar o programa de governo, como o partido tem feito em esforço de sinalizar para o centro. Segundo turno não é uma nova eleição como muitos “especialistas” insistem em apregoar. E na memória do brasileiro está a imagem de Haddad visitando Lula toda semana para pegar conselhos e da presidente do partido falando em indulto justamente no ápice do antipetismo. A oportunidade de redenção poderá vir ano que vem, com o partido possivelmente retomando ao que faz de melhor neste país: oposição. O reerguimento do partido passa por aí. Mas não se pode dispensar a humildade, se não  mais dez anos passarão e o PT não voltará ao governo, assim como há anos Luxemburgo, grande técnico pentacampeão brasileiro, não é contratado por ninguém.

 

1 https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/15/cid-gomes-irmao-ciro-pt-haddad-perder-eleicao.htm

2 https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/05/04/64-meses-de-governo-Dilma-como-evolu%C3%ADram-os-indicadores-econ%C3%B4micos-e-sociais

Os filhotes da Lava Jato

 

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A mitificação do juiz Sérgio Moro em manifestação pró-Lava Jato (Imagem: Thoe Marques / Frame Photo)

Por Lucas A. Guedes

A Operação Lava Jato, iniciada em 17 de março de 2014 e ainda em andamento escancarou a criminosa relação entre as maiores empreiteiras do Brasil com membros dos governos federal e estaduais, além dos desvios na Petrobras para inclusive o financiamento de campanhas das últimas eleições. Não se questiona este trabalho da polícia federal em conjunto com o Ministério Público e nem sua veracidade. Porém, a credibilidade da operação foi se arranhando ante parte da população devido a indícios de que motivações políticas estivessem por detrás das investigações. Talvez o exemplo mais explícito disto tenha sido o vazamento de grampo ilegal envolvendo a então presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Lula. O vazamento que foi direto para o Jornal Nacional e gerou o impedimento da nomeação de Lula para o ministério da Casa-civil. Mas apesar da atuação política, o juiz Sério Moro levou apenas uma advertência do STF, enquanto que as consequências do vazamento influenciaram diretamente no processo de impeachment de Dilma.

Outro sinal importante da atuação política e midiática da operação foi o abuso da condução coercitiva, executada até mesmo contra o ex-presidente Lula, quando o mesmo não oferecia a menor resistência em se apresentar para depor. Antes mesmo da polícia federal chegar até o prédio do petista em São Bernardo do Campo a imprensa já se encontrava no local. O abuso dessas conduções foi tanto que o próprio STF decidiu intervir para evitar o seu abuso. Mas o estrago midiático, obviamente, já estava feito.

Sérgio Moro e Deltan Dallagnol se tornaram rostos tão conhecidos quanto os de astros de novelas. Entrevistas para os grandes jornais, revistas, programas de TV e presença garantida em premiações do tipo “brasileiros do ano” se multiplicaram. Agora são celebridades e tratados como super-heróis de nossa democracia.

Mas a consequência mais profunda da Lava Jato, por incrível que pareça, não foi no impeachment de Dilma Rousseff, mas sim nestas eleições ocorridas no dia 7 de outubro.

Com a publicidade de que toda classe política estava no mesmo saco e delações salpicando a todo o momento sendo jogadas ao publico antes mesmo de qualquer apuração, abriu-se brecha para a chamada “nova política”, que poderia ter em sua logo a imagem de Jânio Quadros e sua vassourinha.

A renovação política não é uma ideia abominável. Pelo contrário. É saudável à democracia a renovação de quadros e alternância de poder. Porém o que vimos no dia 7 de outubro foi a ascensão de um conservadorismo metido à neoliberal que, de “novo” mesmo só o nome.

No Rio de Janeiro, estado falido e com lideranças políticas presas ou investigadas por envolvimento com corrupção, vimos a ascensão meteórica de Wilson Witzel, ex-juiz federal filiado ao Partido Social Cristão.

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Wilson Witzel dividindo palanque com o deputado eleito Rodrigo Marim, que partiu ao meio placa em homenagem à Marielle Franco: Símbolos da “renovação” na política. (Foto: Reprodução)

Witzel estava no trio elétrico em que o candidato do PSL Rodrigo Amorim quebrou de maneira bastante simbólica uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, do PSOL, assassinada em março deste ano com quatro tiros na cabeça em crime ainda não solucionado pelas forças policiais. Já Rodrigo Amorim recebeu 140 mil votos e foi eleito deputado estadual.

Voltando ao candidato ao governo do PSC, o programa de governo de Witzel não propõe absolutamente nada de novo. Criação de um gabinete de segurança subordinado ao governador, investimento em aparato policial e o famigerado “combate à corrupção”.

Mas em vídeo publicado pelo portal do jornal O Globo no último dia 13, Witzel explica a uma plateia de advogados e juízes sua “engenharia” para não perder a gratificação de acúmulo quando em licença e com juiz substituto em exercício do cargo. O vídeo se junta à outra informação curiosa: o juiz recebia auxílio-moradia mesmo tendo residência fixa no Rio de Janeiro.

Questionado sobre este último, Witzel declarou que o auxílio “está na lei” e que cabe ao Congresso votar sua extinção ou não. Curioso é que nomes da chamada velha política dispensaram diversas aposentadorias e benefícios aos quais teriam direito, seja por terem sido governadores, prefeitos, deputados ou senadores. É o caso de Fernando Haddad e Ciro Gomes, só para citar alguns exemplos. Fica evidenciado então que Witzel e todo o discurso da ética e combate aos privilégios entra em atrito com a prática do juiz. É o famoso “moralista de goela”.

Ainda dentro das aberrações geradas graças â negação da política consequente da espetacularização da Lava Jato é o candidato ao governo de Minas Gerais Romeu Zema, do partido “NOVO”, empresário dono do Grupo Zema, que conta com 430 lojas em todo estado.

Em sua propaganda para a TV, Zema se coloca como um cidadão revoltado com tanta roubalheira e incompetência e se apresenta como o gestor que Minas precisa. Embasa isto em sua experiência na iniciativa privada e exibe com orgulho que emprega cerca de 5 mil pessoas em sua rede de lojas espalhadas pelo estado. Romeu herdou o Grupo Zema de seu avô, Domingos Zema, mas acredita na meritocracia. Também defende o fim da lei que obriga as empresas a preencherem no quadro de funcionários cotas para deficientes. Segundo Zema, os empresários têm grande dificuldade em preencher essas vagas. Além disso, propôs a privatização da Companhia Energética de Minas Gerais, a CEMIG. Novamente, nada de “novo”.

Em São Paulo, estado onde a revolta anti-establishment e anti-PT era mais visível, os candidatos mais votados explicitam a guinada à extrema-direita: Foram eleitos Eduardo Bolsonaro, Kim Kataguiri, Alexandre Frota, Arthur Mamãe Falei e Janaína Paschoal, uma das autoras do processo de impeachment de 2016. Outra candidata que exemplifica bem a “qualidade” da renovação é Joyce Hasselman, ex-colunista da revista Veja e que foi condenada em 2015 por plagiar 23 jornalistas em mais de 60 reportagens. Foi a primeira condenação de uma jornalista por plágio no estado do Paraná.

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Joyce Hasselman: Condenada por plágio em 2015, eleita deputada federal com 1 milhão de votos em São Paulo. (Foto: Reprodução/Veja)

Muitos acreditam que o objetivo político por trás da lava jato era beneficiar o PSDB, já que suspeitas sobre desvios na Petrobras desde o governo FHC não foram devidamente explicadas e basicamente nenhum membro do partido, um dos maiores do país, ter sido condenado por esta operação. Alguns casos, como o de Aécio Neves, chegaram a ser enviados à justiça de primeira instância em Minas Gerais, estado berço político de Aécio e onde o psdbista exercia e ainda exerce grande influência. Foi liberado para concorrer e foi eleito deputado federal.

Mas o tiro da Lava Jato que teria mirado no partido que fez oposição ao PT em seu governo beneficiou outra turma: Os com discurso mais firme e agressivo, sintetizado no enorme crescimento da bancada do PSL, partido de Jair Bolsonaro. A sigla que tinha 8 congressistas, agora terá 46.

Termino o texto com um trecho da entrevista dada pela socióloga italiana Donatella della Porta à revista Veja no fatídico ano de 2016, em que Donatella revela os erros da grande operação Mãos Limpas, realizada na Itália no começo da década de 90 e que produziu, entre outros fenômenos, Silvio Berlusconi. Infelizmente não consegui a íntegra, mas o trecho a seguir é bastante simbólico nas semelhanças entre as duas Operações e suas consequências.

A Operação Mãos Limpas foi um marco no combate à corrupção, mas, segundo a senhora afirma, não transformou a Itália num país melhor. Onde ela falhou?

O grande erro foi acreditar que o Poder Judiciário conseguiria mudar sozinho o corrupto sistema italiano. A chamada “revolução dos juízes” não tinha força para isso. Uma transformação significativa necessitava que uma profunda reforma política fosse feita em paralelo às investigações policiais e às decisões judiciais. E isso não aconteceu.

E por que essa reforma política não ocorreu, mesmo com o enfraquecimento dos partidos tradicionais e o surgimento de novos?

É verdade que os dois principais partidos políticos, o Socialista e a Democracia Cristã, sumiram do mapa, o que pôs fim à chamada Primeira República e deu início à Segunda República. Mas isso foi apenas uma mudança de rótulo. A renovação da classe política não significou uma renovação das práticas. Houve apenas reciclagem dos velhos problemas através de novos partidos.

 

*As informações citadas neste artigo podem ser checadas nos seguintes links:

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/04/03/documentos-indicam-grampo-ilegal-e-abusos-de-poder-na-origem-da-lava-jato.htm

http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/gilmar-mendes-suspende-nomeacao-de-lula-como-ministro-da-casa-civil.html

https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/cnj-comeca-a-julgar-processo-em-que-moro-e-acusado-de-violar-constituicao-com-audios-de-lula-e-dilma/

https://www.huffpostbrasil.com/2018/06/14/stf-proibe-conducao-coercitiva-de-investigados-para-interrogatorio_a_23459442/

https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/08/witzel-participou-de-ato-em-que-placa-destruida-de-marielle-foi-exibida.htm

https://istoe.com.br/em-video-witzel-ensina-engenharia-dos-juizes-para-receber-gratificacao/

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/10/14/interna_politica,997088/anastasia-critica-zema-por-declaracao-sobre-pessoas-com-deficiencia-a.shtml

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2018/noticia/2018/10/08/veja-os-candidatos-a-deputado-estadual-eleitos-em-sp.ghtml

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2018/noticia/2018/10/08/veja-os-candidatos-a-deputado-federal-eleitos-em-sp.ghtml

http://www.sindijorpr.org.br/noticias/6066/conselho-de-etica-comprova-plagio-praticado-pela-jornalista-joice-hasselmann

O emissor preguiçoso, o receptor ignorante e a multiplicação do cliché

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Em comentário profundo e rico em argumentos, Villa chamou Roger Waters de “bobalhão” (Reprodução: Jovem Pan)

Por Lucas A. Guedes

    Não é de hoje que é perceptível o fenômeno do “comentarista de tudo” na imprensa brasileira. Figuras ligadas à uma área de conhecimento (quando ligadas…) são designadas pelos veículos de comunicação para opinarem absolutamente sobre todos os assuntos abordados pelos telejornais diariamente. É algo que por vezes passa despercebido pela maioria porque nós, grande público, não temos o domínio de todas as áreas do conhecimento. Logo, um comentário raso, superficial ou mesmo baseado em um estereótipo pode não ser notado de maneira muita explícita, mas com o passar do tempo a homogeneidade dos comentários em diferentes assuntos passa a chamar atenção.

    Um exemplo é o comentarista da Rádio Jovem Pan de São Paulo, Marco Antônio Villa. Historiador famoso pela publicação de dezenas de livros que abordam desde a história da guerra de Canudos até uma análise sobre o governo de Fernando Collor de Mello. Porém a fama do historiador na rádio se dá mais pelas frases de efeito soltas pelo comentarista diariamente do que propriamente por seu conhecimento da história do Brasil.

    Um dos fatos mais repercutidos na imprensa nos últimos dias foi o show de Roger Waters, fundador e baixista da banda de rock progressivo inglesa Pink Floyd. No telão do show que ocorreu no Allianz Parque dia 9 de outubro em São Paulo, Roger exibiu de maneira crítica nomes ligados ao conservadorismo e ao chamado neofascismo na história recente do mundo. Constavam nomes de lideranças da extrema-direita europeia, como Marine Le Penn, da França, Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, Nigel Farage, parlamentar do Reino Unido e aqui, no continente americano, os nomes de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Para quem acompanha a carreira do inglês, este posicionamento era até previsível, mas houve vaias. E no dia seguinte o assunto foi repercutido em diversos veículos de comunicação.

    Nosso historiador Marco Antônio Villa foi questionado pelo âncora do Jornal da Manhã Thiago Uberreich sobre o ocorrido no Allianz Parque. Discretamente, Uberreich chegou a acrescentar que Roger se trata de um grande músico, ao que Villa respondeu que desconhecia seu trabalho e nunca escutou Pink Floyd, para então em seguida emendar a crítica de ser um “absurdo a manifestação em assuntos dos quais o músico não conhece”, ignorando sua própria atividade diária de “comentarista de tudo” neste mesmo jornal. Dois dias depois, após mais um protesto de Waters no segundo show da turnê “Us + Them” no estádio do Palmeiras, Villa o chamou de “bobalhão”, vociferou que o mesmo não tem conhecimento de Brasil para dissertar sobre nossos temas e que Waters “queria aplausos, mas foi vaiado”. Como é bem perceptível, só faltou a Villa parabenizar o público pelas vaias.

As vaias eram confissões vergonhosas de que não conseguem interpretar as letras das músicas de seus próprios ídolos

    A questão é que conhecendo a carreira do músico inglês e escutando minimamente o repertório criado pelo mesmo nas últimas quatro décadas, seria impossível imaginar outro comportamento de Waters que não o que tomou em seus shows em São Paulo. Seria até mesmo incoerente com sua vasta história de embate com a extrema-direita e o conservadorismo. Mas Villa não conhece Roger Waters. Admite, com certo orgulho, que nunca escutou qualquer música do artista. Mas ainda assim se julga apto para opinar sobre o posicionamento político do artista que sempre foi ativo politicamente em todo o mundo. Sem se dar conta, Villa cometeu o mesmo equívoco que apontou no artista inglês.

    Grave também foi a reação de parte do público nos dois shows em que Roger Waters manifestou oposição a Bolsonaro. As vaias eram confissões vergonhosas de que não conseguem interpretar as letras das músicas de seus próprios ídolos. O constrangimento do analfabetismo funcional, porém, só é sentido pelos que têm consciência da falta de compreensão alheia de uma poesia que, convenhamos, nem é tão difícil de entender assim.

    Voltando aos “formadores de opinião”, o caso de Villa (“não sei, nunca ouvi, mas vou criticar”) não é isolado. Vemos no Brasil pessoas que, sem qualquer embasamento ou preparo, se posicionam a respeito dos mais diversos temas em grandes veículos de comunicação como se fossem especialistas de “tudo”. É como se o bacharel em alguma área específica valesse para todas e chancelassem o então formador de opinião a dissertar sobre até mesmo o que não sabe e desconhece profundamente.

    Outro exemplo ainda dentro da rádio Jovem Pan pode ser citado também, como na tragédia do incêndio do Museu Nacional, ocorrida no dia 2 de setembro. Opinando sobre o museu, a comentarista de política Vera Magalhães, nascida no Rio, citou a importância de uma autocrítica em relação ao descaso do brasileiro com a cultura nacional, chegando a citar a si mesma numa confissão no mínimo embaraçosa: Visitou o museu quando criança com o avô, mas nunca fez o mesmo com os filhos, que obviamente já conhecem a Disneylândia. Por mais que a autocrítica seja algo louvável em tempos de egocentrismo e vaidade exacerbados, será que a comentarista teria realmente gabarito para comentar tal questão, sendo ela um claro exemplo do desprezo da elite brasileira com a cultura nacional?

    É óbvio que a liberdade de expressão e opinião deve ser zelada, não é disso que se trata este texto. É sobre se posicionar sobre tudo de maneira superficial e, consequentemente, desinformando. A responsabilidade do comentarista falando aos milhões na rádio ou TV não é pequena, visto que, como vimos anteriormente, não prezamos muito pela leitura e interpretação de texto. Assim o emissor ganha um peso ainda maior em mentes pouco críticas e treinadas. É preciso ter responsabilidade e respeito com os assuntos tratados. Se não há conhecimento mínimo do assunto, a abordagem acaba sendo rasa e superficial, desaguando em estereótipos fortemente ligados à ignorância sobre temas dos mais variados.

Ausência de empatia e a cumplicidade com crimes de ódio: O que une “bolsonaristas”

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Bolsonaro apresenta “cartilha gay” ao público do Jornal Nacional afirmando que a mesma é distribuída nas escolas. Fake news. (Reprodução:Rede Globo)

Por Lucas A. Guedes
As falas misóginas, homofóbicas e racistas do candidato à presidência Jair Bolsonaro já foram amplamente difundidas por todos os veículos de comunicação e redes sociais neste e nos últimos anos. Ainda assim, o candidato vai caminhando em direção a uma vitória até mesmo fácil diante de todos os adversários que se apresentaram até aqui, sendo o último obstáculo o já desmoralizado partido dos trabalhadores com a candidatura Fernando Haddad. Mas afinal, se os posicionamentos preconceituosos do candidato do PSL já são do conhecimento de todos ou quase todos os brasileiros, por que se mantém na frente e muito provavelmente será eleito presidente? A questão talvez seja mais simples do que parece.
Acompanhamos na última década um avanço significativo da discussão de agendas no Brasil que não eram levadas em conta no século XX. Pelo menos não da maneira como deveriam ser discutidas. A criação do sistema de cotas e o debate sobre a existência de uma dívida histórica com a população afrodescendente (maioria no país, mas historicamente oprimida); discussões sobre a homofobia e inclusão de cada vez mais personagens LGBT em novelas, programas de auditório e até mesmo na política e a divulgação massiva dos assédios sofridos diariamente pelas mulheres no Brasil, além da criminosa diferença salarial entre homens e mulheres nas mesmas profissões tomaram conta dos noticiários dos últimos anos, jogando luz em assuntos há muito não debatidos e empurrados para debaixo do tapete.
Mas paralelamente a isso, assistimos também à inoperância do Estado em assuntos que interferem diretamente na qualidade de vida da população, como as crises na segurança pública e no SUS. No mesmo período, de maneira incessante e reveladora, descobrimos através das ações do Ministério Público que nossas estatais foram transformadas em moedas de troca em nome da chamada “governabilidade”, acarretando em loteamento de cargos e políticos de moral bastante questionável chefiando algumas das mais importantes empresas do Brasil e do mundo.
Para quem não é LGBT, para quem não é mulher com consciência das desigualdades ainda presentes e para quem não é negro, todo aquele debate de empoderamento, de discussão de preconceitos e tentativa de reparação histórica é besteira. Bobagem. Tentam resumir todas essas agendas em três sílabas infames e medíocres: “mimimi”.
Não é difícil encontrar quem ache que deveríamos estar discutindo coisas mais importantes ao invés de debater estes temas, mas é preciso perceber um fenômeno que une essas pessoas: a falta de empatia.
Um exemplo claro é a pergunta feita pelo historiador Marco Antônio Villa, comentarista da rádio Jovem Pan, ao então candidato à presidência Guilherme Boulos sobre o porquê dele ser presidente do MTST, já que “tem teto”. Boulos retrucou: – Não é preciso não ter moradia para se sensibilizar com os sem-teto.
Todo o debate considerado irrelevante para o eleitorado de Bolsonaro é extremamente relevante para essas respectivas causas. Em 2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) foram mortos em crimes motivados por homofobia, representando assim uma vítima a cada 19 horas¹. No mesmo ano, a morte de negros foi quase três vezes superior à morte de brancos no Brasil², e 164 casos de estupros de mulheres por dia foram registrados no país³. Detalhe: estimam que apenas 10% dos casos de estupro sejam notificados para a polícia.
Não é “mimimi”, não é frescura e nem exigência de privilégios. Esta não é uma luta sem causa. Mas para uma parte da população que passa imune a esses tipos de crime, o problema é o batedor de carteira na Avenida Presidente Vargas, as balas perdidas que cortam a Avenida Brasil todo dia, ou mesmo o roubo de carros e arrastões nas grandes metrópoles, sem compreender, porém, que são vítimas de crimes comuns ocasionados pela incompetência e inoperância do Estado, e não por crimes de ódio. Minimizam este, ao passo que choram rios de lágrimas ao assistir “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni, ou “A Lista de Schindler”, de Spielberg. Cegos? Manipulados? Não. Falta-lhes apenas empatia. Mas com um provável presidente reproduzindo seus sentimentos mais profundos e vergonhosos, o preconceito deixa a penumbra e hoje se manifesta em plena luz do dia, para o pavor de quem é alvo do discurso de ódio. O que une parte da população a Bolsonaro é o preconceito de ambos, agravado pela indiferença de uma parte que pode até não ser preconceituosa, mas que se torna cumplice desta nova onda conservadora neste país que se autodenomina cristão. É ou não é um país de contradições?

1 http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-01/levantamento-aponta-recorde-de-mortes-por-homofobia-no-brasil-em

2 https://veja.abril.com.br/politica/negros-sao-25-vezes-mais-assassinados-do-que-brancos-no-brasil-diz-ipea/

3 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/08/brasil-registra-606-casos-de-violencia-domestica-e-164-estupros-por-dia.shtml